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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Tempo do vai e volta


Tempo do vai e volta

Sempre dizemos não viva do passado ele já se foi, mas será que você nunca retomou algo, um projeto, uma situação, uma tarefa do seu passado? Às vezes acontecimentos do passado são entendidos como lições de vida. Passado é considerado um tempo que se foi, passou, mas que precisamos dele para nos contextualizar no presente, constituir nossa história. Também são comuns afirmativas quanto a repetições do passado, do tipo: não vá cometer o mesmo erro. E aí me veio a seguinte questão: seria um erro retomar ou rever algo do passado? Se algo ou alguma situação retorna seria uma repetição, ou esta lembrança ou situação de vida, retorna a você para um novo aprendizado ou uma nova oportunidade de fazer bem feito e melhor? 
Em meio a todas essas questões, recentemente me defrontei com uma situação prática e cotidiana que descreverei a seguir.
Há alguns anos atrás caminhando por onde morava encontrei jogada uma mesa que estava em bom estado, considerei bom estado o fato de ter sua estrutura preservada, os pés, faltando apenas à parte superior, o tampo. Naquele momento não tive dúvida trouxe pra casa e reformei ficou ótima. Recentemente outra mesa apareceu por aqui meio estragada e por coincidência, também na parte superior. Enquanto trabalhava nessa reforma alguns pensamentos foram chegando. Pensei: por que novamente me aparece uma mesa com características semelhantes? Então corri pra cá, comecei a escrever, refletir e apresentar alguns questionamentos que se desenrolaram. Outros pensamentos foram aparecendo na medida em que realizava a reforma.  Algumas coisas vêm e vão, e se apareceram novamente, seria uma repetição característica dos neuróticos descritos por Freud? Ou seria algo do carma que pregam algumas religiões? O tempo produz modificações em nós, não apenas físicas, eu diria que na maioria das vezes, destruidora, mas também por outro lado reconfortantes, amadurecemos, fazemos conexões que jamais faríamos em tempos passados.         
Dessa situação da mesa não consegui um resoluto final, mas compreendi que hoje sou diferente de tempos atrás e, portanto o tampo será diferente e mesmo os objetos que quero colocar á mesa. Assim, entendo que não existe repetição, embora o objeto seja o mesmo. Naquele momento contei com a ajuda do meu pai, ele é muito bom pra qualquer tipo de reforma, conhece, tem experiência, mas tem dificuldade para pensar diferente do que sempre pensou. Perceber que materiais se modificam há avanços e modernizações. Eu diria também que rigidez, é uma condição devastadora quando se pretende transformar alguma coisa. Hoje ainda não consegui terminar a mesa, parece que me falta entusiasmo, ou mesmo não sei ainda o que colocar de tampo.
Neste simples fazer me reportei ao passado, penso agora que tipo de tampo posso utilizar e ainda faço projeções futuras do que colocar sobre ela e em que lugar esta mesa poderá se acomodar. 

Neste processo de fazer, que produz reflexões e mudanças, descobrimos coisas novas sobre nós mesmos, um novo autoconhecimento que se ajustam as perdas do que éramos, fazemos uma nova adaptação e acomodação, um novo conceito de nós mesmos.
Este é um dos mecanismos utilizados para o acompanhamento da terapia ocupacional com foco na saúde mental. O terapeuta ocupacional ajuda as pessoas que por um processo de doença e ou situação de vida perderam suas capacidades funcionais ou mesmo o conceito de si próprio.
A saúde tanto física quanto mental é um atributo de todos que convivem na sociedade, seja na família no trabalho e os terapeutas ocupacionais que atuam com intervenção para a saúde mental, independentemente do diagnóstico, devem promover sensação de bem-estar, elaborar metas para atingir objetivos, pensar e agir dentro da realidade atual e contexto social das pessoas.

Finalizando e concluindo o passado nos ajuda a construir um novo presente, mas os não acertos no passado, não nos dão garantia de novos erros atuais. O importante é a transformação interna, um novo olhar diante de um mesmo objeto e situação de vida, entendendo que são parecidos, mas nunca exatamente iguais.

domingo, 7 de agosto de 2016

Tempo da falta de tempo.



O que conduz as pessoas sentirem-se prisioneiras do seu tempo? Imagina uma prisão, a delimitação de um espaço físico e como se pode atribuir ao tempo essa condição? Considerando que somos seres autônomos, podemos dirigir nossa vida da maneira que bem entendemos, ou não? O que está por trás deste fenômeno mundial da falta de tempo? Existem várias formas de explicação ou entendimento para esta situação; farei uma reflexão sob o ponto de vista de uma terapeuta ocupacional que se preocupa e dirige seus conhecimentos para entender as ações das pessoas e o uso que fazem do seu tempo.
Em minha dissertação intitulada, Inclusão: lazer e participação social sob o olhar de pessoas com deficiência mental e suas famílias, conduzi meus estudos não para a falta de tempo, mas como o tempo livre é despendido para pessoas excluídas socialmente. Atualmente usa-se a expressão pessoas com deficiência intelectual, houve mudança na nomenclatura científica para este termo, porque de fato dizer deficiência mental implica uma conotação generalizada e hoje se entende que pode haver um déficit intelectual o que não implica possuir outras habilidades. Nesta pesquisa destaquei a importância de atividades de lazer na vida dessas pessoas. Naquele momento minha pesquisa se direcionou para as pessoas com deficiência, mas a questão do lazer, por exemplo, é algo pouco desfrutado na vida das pessoas que relatam sobre a falta de tempo. Passado alguns anos após esta pesquisa, observo que para as pessoas com algum tipo deficiência, sobra tempo e uma das preocupações familiares é de como preencher esse tempo vazio. A ausência de um trabalho seria um dos motivos para o tempo desocupado? Normalmente o discurso é: trabalho o dia todo, estudo, não sobra tempo para essas coisas, no caso lazer, divertimento e muito menos atividade física. As justificativas são muitas, cada um pode dar um motivo, Um dos motivos frequentes inclui à falta de condições financeiras, como se o divertimento só tivesse a analogia por coisas ou situações suntuosas. Tanto para o trabalho quanto para o lazer é necessário que essas atividades tenham sentido, significado, satisfação um senso de prazer e realização. O trabalho geralmente está na condição de um ganho financeiro e muitas vezes as pessoas escolhem profissões com vistas ou na expectativa, de sucesso relacionado a dinheiro. É lógico que todos nós precisamos de dinheiro para viver, mas fazer disso a razão de vida com certeza produzirá insatisfação.
Se for analisar friamente, hoje o divertimento de jovens é passar horas e horas em jogos virtuais, no computador no celular. Geralmente o tipo de jogo é progredir etapas, superar, avançar níveis, pra alcançarem tais passagens, precisam matar vencer e capturar. O propósito de tal divertimento não está na ação do presente, no momento, está lá na frente, no vencer uma competição. E o que isso teria a ver com a falta de tempo? No mundo do divertimento virtual, existe um hiperfoco, uma concentração demasiada em apenas uma atividade, o que acarreta a falta de interesse por outras. Portanto, visto por esse ângulo, não existe falta de tempo, existe falta de interesse por acontecimentos novos. Um ”fazer” novo implica repensar ações, despertar interesses, estimular a vontade, sair da automação, se permitir criar, utilizar a espontaneidade, exercitar a capacidade e a liberdade de escolha. A sociedade parece caminhar cada vez mais para a realização de atividades automáticas e pelo acúmulo de tarefas.
Como já disse no tempo embolado, o acúmulo constante de tarefas às vezes esconde algo e também há uma desorganização geral de como distribuir e ou priorizar tarefas ao longo do dia.
Sob um ponto de vista filosófico, será que a falta de tempo é uma forma de não sentir falta alguma? Perceber que algo falta ou mesmo sentir uma perturbação pode gerar um incomodo do qual não quero resolver ou não vejo saída. E assim não é raro o relato da falta de tempo associado à exaustão, há um desgaste e falta de energia, porque há um esforço para encobrir e não perceber os fatos, muito menos qualquer tipo de sensação.  
No ritmo acelerado que vivemos temos dificuldade para perceber sensações, tanto de prazer quanto de desprazer, as pequenas coisas da vida não são apreciadas e ações mais simples se tornam cada dia menos valorizadas. Isto não significa voltar à idade da pedra, mas prestar atenção que o excesso de trabalho, estudo e uso de tecnologias nos aprisionam no tempo.
Enquanto estamos aprisionados várias coisas acontecem ao nosso redor, na família, na política, na vida como um todo e assim corremos o risco, pela falta de tempo, de não exercer nossa função autônoma. Deste modo o exercício da autonomia pode ser um propulsor para sermos de fato senhores e donos do nosso próprio tempo.



domingo, 19 de junho de 2016

Tempo do bem

O que significa bem? Segundo o dicionário a definição de bem é aquilo que é bom, agradável, que causa alegria e felicidade. Ao assistir um filme me vi navegando em pensamentos e reflexões por este sentimento do bem, da capacidade ou não de humanidade, do perdão e da simplicidade, do sentir diferente. Observo e vivencio diversas situações com meus pacientes, nesta experiência procuro através da minha formação acadêmica e dos anos vividos, auxiliar nas possibilidades das interações pessoais, nas atividades cotidianas, despertar e ou desenvolver uma habilidade que conduzam a inclusão social e a qualidade de vida, produzir saúde.
A inclusão social é algo bonito de se dizer, mas quão longe está da realidade em que vivemos. Praticar a inclusão requer aceitação, quebra de rótulos e preconceitos, e porque não dizer um sentido de humanidade. A sociedade carece de mudanças na estrutura física e na forma de concepção das pessoas diferentes. O senso comum indica a terapia ocupacional às pessoas consideradas diferentes, mas já parou pra pensar o quanto está difícil incluir-se de uma maneira geral, conseguir seu espaço e até mesmo uma aceitação de si mesmo? A condição de ser bom, praticar a benevolência relaciona-se com as características da natureza humana e não diz respeito apenas as pessoas incomuns, porque na verdade somos todos diferentes. Não entendo o bem e o bom como ser bobo e nem com a condição de herói, como utilizada por filmes, mas como algo inerente a natureza e próprios da capacidade de amar. Tenho a impressão que o mundo caminha cada vez mais na direção da falta de altruísmo.
Tempo do bem deveria ser todo dia: ” fazer o bem não importa a quem”. Para ações do bem é necessário um pouco de inocência ou mesmo não ter intenção da maldade, agir de acordo com a simplicidade e concretude do sentimento. Levar ao pé da letra aquilo que ouvimos e sentimos, sem racionalizar pode dar a impressão de besteira, mas é a forma mais pura de expressão. A manifestação simples dos sentimentos, a demonstração sem receio, não se importando com o que o outro pode pensar, não é algo característico na convivência social.
O filme “my name is khan”, fala desta simplicidade na manifestação de ações humanitárias, a discriminação e o preconceito em relação a uma pessoa com a síndrome de asperger. Curioso é que este filme não teve divulgação, talvez por ser um filme indiano e induzir várias questões aos Estados Unidos, como a perseguição aos muçulmanos, o preconceito, ausência ou atraso humanitário em virtude do estrago causado pelo furacão Katrina que atingiu Louisiana.
A Síndrome de Asperger é brilhantemente interpretada pelo personagem    denominado Khan, que demostra a falta de jeito na expressão do afeto e ou a falta da habilidade para sentir como as pessoas “normais”. A aparência desajeitada de se comportar, a interpretação muito literal da linguagem e a interação social ingênua e inapropriada, aparece de forma encantadora e extremamente sincera no personagem. O jeito espontâneo de se comportar surpreende as pessoas tanto para o bem quanto para o mal e produz laços afetivos que conduzem a sua realização na vida e aos ensinamentos primários vindos da mãe, sobre pessoas boas e más.
O filme me emocionou ao demonstrar que nada é impossível quando se tem obstinação, se existe crença, mesmo que aos olhos dos outros possa ser fantasioso e fora da realidade.
A dificuldade na expressão de afeto, característica da síndrome, não se constitui um obstáculo para que o amor e a dor possam ser percebidos de outras formas, diferentes das quais normalmente conhecemos. 
A perspectiva do sentir/fazer diferente conduz ao exercício de despertar novos conhecimentos e emoções, como por exemplo, pensar e despender parte do seu tempo para refletir sobre ações que promovam o bem.  

     






sexta-feira, 15 de abril de 2016

Tempo de crochê


Correntinha, laçada, ponto alto, ponto baixo e vou construindo meu tapete, de repente correntinha e perco o ponto, a sequência, volto, tem que desmanchar. Assim é o crochê, vários pensamentos aparecem nesse processo, a gente se distrai, às vezes erro e tenho que retomar, voltar a atenção no ponto, na sequência. O crochê parece algo simples, mas está cheio de requisitos importantes para a execução como: coordenação motora, concentração, matemática, criatividade e uma habilidade fundamental a paciência. A paciência é algo fundamental para tudo que vamos realizar e se faz presente também nas relações humanas, como por exemplo, ter tolerância com os erros alheios e os seus. Cada pessoa tem um porque para começar uma atividade de crochê, uma história que pode ter se iniciado na adolescência na idade adulta, na terceira idade. Como sempre enfatizo, a atividade dependerá da singularidade de cada pessoa, o que é bom para mim pode não ser para você, no entanto, observo algumas resistências das pessoas para experimentar certas atividades, o crochê é uma delas. Percebo preconceitos, ideias distorcidas, até culturais, relacionando com atividades antigas, feitas por avós. Realmente a história do crochê é antiga, historiadores fundamentam teorias que ele surgiu na Arábia e se difundiu pela Espanha e Europa através das rotas comerciais do mediterrâneo. Antigamente o artesanato aproximava principalmente as mulheres, representando o princípio e a formação de “boas moças, prendadas”.
O ato de fazer crochê permite exercitar e vivenciar a identificação de funções e papéis ocupacionais auxilia na nossa organização interna e externa e contribui para melhores adaptações ao ambiente em que vivemos.
As atividades estruturadas como nós terapeutas ocupacionais denominamos, organizam pensamentos e proporcionam algo parecido com a meditação, porque estamos de fato imersos no processo da atividade no aqui e agora.  Em uma escola de artes ou artesanato as pessoas aprendem a técnica, conhecem outras pessoas, interagem, no processo de atendimento da terapia ocupacional, a sua relação é com o terapeuta, que está preocupado e ou sensibilizado com suas questões particulares. No processo do atendimento da  terapia ocupacional, você também pode aprender a técnica, mas esta não é a proposta única e primordial. A leitura da ação é outra técnica utilizada pelos   terapeutas ocupacionais, realizamos várias ações, somos seres pragmáticos, entretanto, nem  sempre se tem clareza, na verdade muitos dos nossos atos são obscuros, estão ocultos, mas temos a necessidade e o impulso em fazê-los. 
Outra característica curiosa e que faz a diferença na realização de atividades com a presença de um terapeuta, é a oportunidade que as atividades oferecem de em determinado momento deixar a mente distraída. A mente distraída e sem o recurso da racionalização que na maioria das vezes utilizamos, permite o acesso aos nossos mais profundos sentimentos e emoções, é como se abrisse uma janela, uma passagem. Ao vivenciar a emoção e o sentimento no concreto, sem o mecanismo da racionalização é possível que a experiência vivenciada ofereça a condição para uma mudança, de comportamento de atitude diante de algo que parece sem solução. Normalmente temos a tendência de submeter os relacionamentos, as pessoas, coisas e ideias apenas aos princípios da razão e não da experiência propriamente dita. A utilização de altivez, falar com jactância é a conduta que apresentamos, quando não conseguimos vivenciar uma experiência ou porque ela não é permitida socialmente e ou internamente ou ambas, ou mesmo quando algo ou alguém rejeitou. 
A arte de fazer crochê permite que você se mantenha parado por um tempo, mesmo com um turbilhão de pensamentos, o ato de “crochetar” pode ajudar a  organiza-los, tornar menos intenso e até diminuir a aflição, o agitamento.  Portanto nunca é tarde para experimentar ou iniciar uma atividade, cabe a você se permitir conhecer novas possibilidades, quem sabe esse próprio ato te revele outros horizontes.
Melhor errar um ponto do crochê e começar tudo de novo, do que viver praticando erros no curso da existência.
Postem comentários de como é fazer crochê, como iniciou e porque, só esta reflexão com certeza te levará a lugares que você nunca visitou.



domingo, 6 de março de 2016

Tempo de Saúde Mental

Parece estranho dizer tempo de saúde mental porque na verdade este é um tempo que deveria ser contínuo e não específico, além do que este tipo de condição é algo subjetivo de cada pessoa.
Saliento esse tempo e coloco para reflexão, porque vejo que a saúde mental não é assunto divulgado com tanta frequência como outras questões de saúde.
Na unidade de saúde que trabalho há campanhas direcionadas a saúde da mulher, do homem da criança com meses específicos para a conscientização da população e ações práticas de prevenção e promoção de saúde. Estes eventos relacionados a saúde me levaram a questionar porque estas companhas não são direcionadas para pessoas que sofrem com algum transtorno mental? Acredito que campanhas desta natureza poderiam conscientizar a  população, diminuir preconceitos e desenvolver medidas preventivas em relação a problemática que envolve a doença mental.  
Outro fator que me lançou nesta reflexão, refere-se ao numero crescente de pessoas que estão procurando atendimento devido à alta taxa de desemprego e demissões recentes.
O ditado popular; “Cabeça vazia oficina do diabo seria uma verdade”? Ou será; “Barriga vazia não tem alegria”? “Só sei que a atual crise econômica está provocando mudanças na vida das pessoas, não porque estão doentes, ou ‘loucas”, palavra muito verbalizada quando procuram um profissional da saúde mental, principalmente psicólogos e psiquiatras. Eu costumo brincar com meus colegas de trabalho e digo: encaminha para a terapia ocupacional que ele vem para o atendimento, aí não vai pensar que está “louco”. Recursos paliativos deste tipo podem ajudar a quebrar a resistência e preconceito inicial, mas é necessário medidas eficazes para combater a superstição em relação aos transtornos mentais. Parece ser admissível adoecer de qualquer outro órgão do nosso corpo menos a cabeça. Por outro lado da mesma forma que acontece a resistência para a procura de um profissional, existe também  um uso abusivo de psicotrópicos pela população em geral, com a ideia de que remédios curam tudo, a medicalização da vida (http://medicalizacao.com.br/carta-sobre-medicalizacao-da-vida/ ).
Retornando para a questão do trabalho, exercer um ofício e uma profissão, ocupa boa parte do tempo na vida de uma pessoa e ficar sem trabalhar contribui para desequilíbrios na sua condição de saúde mental. Uma das funções do terapeuta ocupacional é ajudar a restabelecer postos para o trabalho, adaptação em outros, descobrindo junto com a pessoa suas potencialidades e auxiliando na administração de uma nova mudança ocorrida em sua vida.  
Tempos instáveis exigem flexibilidade, criatividade, manter a calma, aproveitar do infortúnio como  oportunidade de mudar o rumo, mesmo porque estudos indicam que se por um lado o trabalho é mantenedor da saúde mental, encontramos também várias pessoas que adoeceram devido ao trabalho e as condições impostas por este. 
Para aqueles que querem conhecer mais a respeito das relações de trabalho, doenças ocupacionais e as contribuições da terapia ocupacional sugiro a leitura de: LANCMAN, S.; GHIRARDI, M. I. G. Pensando novas práticas em terapia ocupacional, saúde e trabalho. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v. 13, n. 2, p.44-50, maio/ago. 2002.         



Bicho de sete cabeças é um filme brasileiro que aborda a questão dos abusos práticados pelos hospitais psiquiátricos: maus tratos, superlotação, excessos de medicação, exclusão familiar dentre tantos outros. O filme lançado em 2001 coincide com a criação da lei 10.216 que determina a proteção e os direitos das pessoas em sofrimento mental. Ações deste tipo contribuiram para uma nova maneira de pensar sobre as instituições psiquiátricas no Brasil, inclusive com aprovação pelo congresso nacional proibindo a construção de novos manicômios.
A união de profissionais de saúde, usuários e familiares promoveu a conscientização da sociedade e instituiu o Movimento da luta Antimanicomial. Dia 18 de maio se caracteriza como uma celebração de lutas e conquistas pelos direitos das pessoas com sofrimento mental. Conscientizar e combater a idéia de que se deve isolar, direito de liberdade, de viver em sociedade, a receber cuidado e tratamento como qualquer outro cidadão.
O movimento tem como meta defender a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos tradicionais, por serviços abertos de tratamento, como os cenros de atenção psicosociais (CAPs ), leitos psiquiátricos em hospital geral e as Redes de Atencção Psicosocial (RAPs).
As famílias das pessoas com transtornos mentais, necessitam de orientações de como ajudar, de apoio , de como promover a autonomia, não cronificar.
Avançamos muito até aqui, porém a luta continua, não podemos retroceder. É necessário ampliar ações no terrítório, com espaços de arte, esporte, lazer que incluam essas pessoas. Outro ponto fundamental é com relação ao trabalho; defendo a criação de vagas no mercado de trabalho assim como aquelas destinadas para as pessoas com deficiência.  
A sociedade precisa evoluir e aprender com as diferenças. O preconceito e a discriminação não contribuem, apenas reproduzem o que os manicômios fizeram por muito tempo. A população em geral deve sair da condição de vítima de governos e gestão e ser pro ativa para propor mudanças. Lutar por  condições dignas de saúde para todos, por direitos, exige esforço, informação, reflexão, sair da passividade, e isto não se destina apenas na defesa das pessoas com transtorno mental, mas a saúde como um todo. 

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Tempo de estímulo


Dependendo do contexto o estímulo pode ter vários significados e funções. Quando penso no contexto atual e nos vários casos de microcefalia, profissionais da reabilitação, como os terapeutas ocupacionais dentre outros, associam o estímulo à estimulação precoce. Estimulação precoce significa oferecer, encorajar e aumentar as oportunidades para desenvolver certas funções, por exemplo: andar, comer, falar, olhar, brincar, que por motivos de lesão cerebral e ou anomalias congênitas afetaram o desenvolvimento neuropsicomotor. O precocemente indica que quanto mais cedo os estímulos maiores as conquistas. No caso de crianças com microcefalia, as mães precisam ser orientadas e encaminhadas o mais cedo possível para serviços de reabilitação. A microcefalia é um assunto emergente que provoca   controvérsias, estudos e investigações, entretanto o que deve ser prático e imediato é que o governo disponibilize profissionais e serviços de reabilitação.
Quero, porém, discutir sobre a necessidade de estímulos nas várias fases de vida, independente de uma deficiência.  
Ao pensar em fase de vida desejo refletir sobre a chegada da idade adulta, madura, e não me direciono a uma maturidade aos 30, 40 e sim a chegada dos 50 anos. Ouço e vejo frases sobre essa fase da vida e às vezes sinto que estou na contramão do que é dito e preconizado para esta faixa etária. As frases dizem para alcançar a “calmaria”, desfrutar da sabedoria, sucesso financeiro, estabilidade profissional e familiar. Do ponto de vista feminino essa fase de vida impõe a mulher o encerramento da sua vida reprodutiva, da capacidade de gerar filhos. Se a mulher não tem trabalho fora do lar, com os filhos já crescidos, vivencia a popular denominação de “ninho vazio”. Neste período é comum os filhos, e quem convive mais de perto, oferecer funções, muitas vezes que não são do próprio gosto ou escolha. Uma das funções oferecida é o cuidado com os netos. Não entendo a função e o papel de cuidar de netos como mal, vejo que se torna prejudicial quando é apenas o único cargo a se desempenhar. Há também pessoas que se realizam pelo e através dos filhos, vivem assim a vida deles e não a sua. Vejo com frequência quadros depressivos nesta faixa de idade, porque se é difícil ter o controle sobre a própria vida imagina querer controlar a vida alheia. Não se pode viver bem com e na expectativa de algo ou do outro. Olhar para os próprios interesses encontrar satisfação, perspectivas, possibilidades, não é tarefa fácil, mesmo porque chegar a algumas conclusões sobre a própria vida com certeza determinará mudanças, às vezes, nem sempre confortáveis. O estímulo pode gerar uma emoção e por isso deve ser vivenciado, experimentado no aqui agora. Quando executo algo necessito viver a ação em si mesmo e não nos efeitos que produzira como um sentido de recompensa. Essa fase de vida exige cuidados, para mulheres e homens e a necessidade primordial de estímulos de toda natureza. Isto não significa a não aceitação da idade como escutamos socialmente e sim entender que apesar do declínio do corpo e da diminuição do vigor, necessitamos de estímulos que proporcionem ânimo, pois do contrario alcançaremos um declínio mental.
Novas aspirações, cursos, trabalhos, arte, musica, dança, a realização de sonhos e a elaboração de outros. Dizendo desta forma parece até uma procura sem fim, mas podemos entender também que no final não há procura alguma. O filme Intocáveis para mim é um exemplo de como deve ser o estímulo e nós todos precisamos de um sujeito como o personagem Dris, que nos arranque do “conforto”, do convencional e nos arremetam para viver com emoção e mais satisfeitos.
Uma forma inusitada para se fazer a barba, que proporcionou interação, estímulo e divertimento.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Tempo da zaragata

A palavra zaragata aparece como um sinônimo da palavra revolta e me surgiu mais suave e diferente para comentar alguns aspectos da atual vida cotidiana. Brigas, desordem, é a definição de zaragata, escolho a desordem como um atributo da falta de ordem em algum lugar. Se você pensou que este lugar é um país e se chama Brasil acertou, porém quero discutir não a desordem que se instalou, mas os princípios que motivam, distorcem ou orientam o comportamento humano, os preceitos valorativos e morais que dirigem o ser humano.
O que aconteceu ou está acontecendo com a sociedade quanto ao bom costume, de justiça social, o bem e o mal, a consciência profissional, política, sexual, matrimonial entre tantos outros? Pode-se dizer que os costumes variam de um país a outro, dependem da cultura de determinadas civilizações, assim como o que é aceito ou não, e também podemos pensar ser um processo natural que os costumes e valores se transformem com o passar do tempo.
Você pode pensar, costumes e valores dependem de cada pessoa, de cada local e sociedade, mas, o que dizer quando a desordem se instalou? Costumes e valores são aprendidos e existe um parâmetro no qual foram construídos. E agora qual seria esse referencial? Pode ser; salve-se quem puder, deixa de ser tonto se você não fizer o outro vai fazer, ninguém vai notar, sempre com a conotação de que se está perdendo algo e que o outro levará vantagem. Isto significaria preceitos da ordem capitalista?
Não sou política para discutir sobre política e não pretendo conduzir a reflexão para esse ponto, mas me incomodo e sinto na alma os reflexos que a atual desordem do país pode provocar nas pessoas, no que se refere à desilusão.  Digo isto porque a capacidade para a fantasia e imaginação, conduzem a esperança e habilidades de criar situações novas, do desejo de uma civilização ideal. Minhas inquietações dirigem-se também para a questão dos papéis ocupacionais. Se os papéis ocupacionais são desempenhos e exercícios que as pessoas adquirem ao longo da vida, segundo as fases e respectivos anseios, e sofrem influência do ambiente e das expectativas sociais, que tipo de papéis estaria surgindo atualmente?
Segundo Kielhofner, os papéis ocupacionais capacitam os indivíduos a estruturar sua participação no mundo do trabalho e em sociedade e ajudam a organizar os comportamentos produtivos, fornecendo uma identidade pessoal, conferindo expectativas sociais, organizando o uso do tempo, e inserindo a pessoa na estrutura social. Desta forma, os papeis ocupacionais organizam o comportamento da pessoa e vão se acumulando com o passar do tempo, construindo a identidade social e a carreira ocupacional. Diante do atual cenário brasileiro que tipo de identidade é valorizada? Que parâmetros servem de modelo para a atual desordem manifesta? Se dignidade é a qualidade do que é nobre e de honra, qual é o tipo de compostura que reina em nosso país? Talvez os papéis ocupacionais que estamos construindo, diante de uma terra de ninguém, onde todos querem usufruir em benefício próprio, sem a mínima consciência do dano e da coletividade seja: papéis de fachada.